Aprendi eu numa tenra idade, e aliás, acho que aprendemos todos, que o Séc. XVIII foi o Séc. do Iluminismo. A minha satisfação, é que antes do proclamado séc. XVIII , já tinham aparecido mentes "iluminadas", que tentaram por todos os meios lícitos,combater o obscurantismo reinante.
Lembremo-nos que o Tribunal da "Santa Inquisição", reinou pelo menos três séculos, sendo que foi fundado em 1232 . Com a Inquisição, a Espanha entre outros Países, mas sobretudo a Espanha,(Torquemada ficou célebre pelas suas atrocidades) impôs este reinado de terror absoluto, pior que a época de terror em França, aquela célebre época em que a guilhotina não conheceu descanso ( Marat e Robespierre, estão lembrados) ?
Pois é, dizia eu, que graças a Deus, surgiram cérebros iluminados, e o que é mais, não tiveram abso-lutamente medo nenhum de falar e de expôr as suas ideias, tão revolucionárias para a época. E foram eles nada mais nada menos, que um tal Copérnico, John Wycliffe , o célebre João Huss , sacerdote e reformador checo, ( Boémia, 1370- 1415 ) Martinho Lutero(teólogo e reformador alemão: 1483 - 1546, daqui o termo: Luterano e Luteranismo ) e Calvino ( João ), na sua maioria, protestantes.Protestantes e , sem dúvida alguma, possuidores da verdade! Huss, Prof. (Reitor ) da Universidade de Praga, atraiu sobre si a hostilidade do alto clero, sendo que foi condenado pelo Concílio de Constança ( Inquisição ), a morrer na fogueira, acusado de " heresia" , por seguir as doutrinas do inglês John Wycliffe . Este mártir, passou a ser venerado como tal, pelo povo da Boémia. Lutero por sua vez, também foi um homem espectacular, é à sua personalidade excepcional e à sua doutrina, que se iriam ligar todos os movimentos religiosos de protesto contra Roma, principalmente em França e Genebra , com Calvino e Henrique VIII na Inglaterra. Foi ordenado sacerdote em 1507, e em 1512, doutor em Teologia. Em 1513, foi nomeado prof. da Universidade de Wittenberg. Possuía uma grande visão, um sentido muito apurado da realidade, e o que é ainda melhor, tinha um aguçado sentido de justiça. O sentido de justiça nunca se deve desprezar, pois é ele que faz avançar o mundo. Já Jesus falava de justiça. Dizia Ele, que o mundo pecava por falta de justiça, por falta de igualdade entre os homens, se cá tivesse andado hoje, teriam apelidado Jesus do maior socialista de todos os tempos! É incrível, como o ser humano tem necessidade de rotular...Com efeito Jesus, moveu-se numa sociedade altamente hierarqui-zada, em que havia apenas cidadãos romanos e todos aqueles que o não eram, que nem sequer eram considerados cidadãos, mas homens de segunda, e ainda, os escravos, sendo que muitos deles eram obrigados a gladiarem-se nos circos apenas para proporcionarem espectáculo para os entediados Imperadores e para o povo em geral. Nesses dias, o povo regojizava-se de modo singular, pois tinha pão de graça e circo.
Martinho Lutero foi pois, um homem extraordinário, já que mais não fosse por ter posto a Imprensa a favor da verdade, tendo traduzido a Bíblia do latim, língua inóspita e inacessível, apenas conhecida e falada pela população de um modo muito rudimentar, para a sua língua natal, o germânico, o que acabou por volta de 1534. Claro está, que com a impressão ( Guttenberg), em série da bíblia, traduzida em alemão e posteriormente, noutros idiomas, verdades elementares , conheceram a luz do dia. Verificou-se que disparates como a noção de " purgatório", que a Igreja tinha inventado, não tinham a sua génese na Bíblia, pois aí nunca, mas nunca, é mencionada a existência de tal lugar. Ridículo era também a venda de indulgências (o nome só per si , diz tudo) as quais permitiam a realização de acções, à partida conde-náveis pela igreja católica, como por exemplo comer carne em períodos de abstinência, mas cujas consequências , elas indulgências , se encarregavam de anular. Disto, curiosamente, também a bíblia não fala. Das torturas execráveis, levadas a cabo pelo Santo Tribunal eclesiástico e da sua necessidade, também na bíblia, nada se encontra, sendo que a mesma bíblia apenas fala de paz, igualdade, justiça, bondade, paciência, fraternidade, humildade, enfim, tudo predicados alheios à essência do santo tribunal, não é verdade? Mais,a bíblia nada refere àcerca da obrigatoriedade de prestar culto à virgem Maria, sendo que ela apenas foca a importância desta mulher, relativamente ao facto de ter concebido Jesus, de ser a sua mãe carnal. A bíblia pouco fala dela, a não ser que era prima de Isabel que também se encontrava grávida, referindo ainda, que quando Jesus fez o milagre da transformação da água em vinho, foi sua mãe que o incitou a tal.Foi ela uma das mulheres que acompanhou a paixão de Cristo e encontrava-se no Gólgota, junto da cruz, com o apóstolo João, e outras mulheres, assistindo à morte do seu amado filho. Mas da necessidade e obrigatoriedade de reverenciar esta mulher, disso a bíblia nunca fala, trata-se de uma invenção da igreja, bem como a importância que atribuem a uma imensa panóplia de santos, que estão sempre em crescendo, pois que se assiste às mais ridículas e inesperadas canonizações. Tudo pode ser canonizado, basta o Papa determinar.
Pela sua temeridade, dizia eu, Lutero viu a sua vida complicar-se grandemente. E não só ele, também Wicliffe, de que vos falarei oportunamente, conheceu tristezas e dissabores. Se neste mundo se pudesse dizer tudo o que se pensa, impunemente, não teria a história registado tantas atrocidades ! Lutero, como dizia, foi pois obrigado a retratar-se, sob pena de ter que pagar com a vida, a ousadia de pôr em causa, a actuação da igreja católica (atenção, que se trata da Igreja católica e não de qualquer outra religião menos prestigiante).
Convocado perante a "Dieta Imperial " (Inquisição), em Worms, em 1521, foi obrigado a retratar-se. Por ter recusado, os seus escritos foram proibidos e queimados. Teve de ser escondido pelo seu protector, Frederico da Saxónia,no castelo de Vartburgo. Como Martinho Lutero, também Wicliffe e muitos, muitos outros, foram coagidos a abjurar dos seus ideais, sob pena de terem de enfrentar a fogueira e pior que isso, torturas inanarráveis. Essas torturas eram tão requintadas, que o facto de hoje se deceparem membros ou dedos do corpo de alguém, não passa de uma mera brincadeira comparado com as torturas a que os monges e o alto clero se dedicavam ( uma das muitas formas de tortura, consistia em pendurar as pessoas nuas numa gaiola, e pôr uma cabra por baixo do corpo, que o ia mordendo ). Estas requintadas formas de tortura, bem poderiam ser objecto de vários tratados de sadismo.
* Sei que existe uma exposição sobre o material e as técnicas de tortura do Tribunal da Santa Inquisição, que acho ser de interesse geral conhecer. São actos tão condenáveis, que ainda seria mais condenável se caíssem no esquecimento. Esquecer é perpetuar os crimes, por isso é nosso dever não nos calarmos!
Helena Sousa
