QUERIDA AVÓ
Querida avó, ainda te adoro sabias? Como me custou quando partiste para não mais voltar ! Eras tudo para mim ! Tenho tantas
Foste o meu mundo !
Ensinaste-me tanta coisa, tanta... ! Até com os teus silêncios e o teu olhar me ensinaste !
Contigo ao meu lado, o mundo teve mais cor, e adorava avó a tua bondade, a tua paciência infinita que aplicavas sábiamente em todas as situações, mas mesmo em todas ! Avó, sem seres rica, deste-me tanto ! Nunca te vou esquecer , impossível !
Lembras-te quando me levavas pela mão à igreja para eu me ir confessar, avó? Eu dizia-te com um olhar muito espantado que não, que não queria, porque é que havia de ir contar àquele padre sempre tão sério , sempre tão carrancudo, dos pecados que desconhecia ter cometido, eu com doze anos, tão tenra idade ! Idade pequena, para tanta coisa ... e no entanto, idade já do " adivinhar", do " ir descobrindo" , idade em que tudo nos marca ! Confessavas-te sempre avó, tu , de quem eu duvido que tivesses algum pecado . Depois, solenemente, comungavas sob o olhar atento da tua neta , que seguia todos os teus passos. Aliás , todos comungavam, à excepção de mim , que com os meus doze anos já achava tudo aquilo superlativo ! Tu avó, ralhavas-me brandamente, eu retorquia-te com vivacidade que já sabia qual iria ser a receita infalível para o perdão dos meus pecados ! Talvez meia - dúzia de avé- marias, com a salvé - raínha pelo meio, talvez algum Pai- Nosso, a única oração que eu já apreciava por inteiro!
Depois veio a trombose... eu estava perto de ti quando o 1º ataque te acometeu. Levavas na mão um alguidar com roupa que não achavas estar demasiado branca e por isso a ías pôr a " corar" ao sol, com um bocadinho de lexívia. Lembras-te avó? De repente , no corredor da nossa casa , vacilaste ao andar, começaste a coxear, e deixaste cair o alguidar no chão. Eu gritei.... minha avó ! Avózinha...! Minha avózinha...!
Nunca mais andaste pelo teu pé, nunca mais o braço esquerdo te obedeceu ! Ficaste presa a uma cama, ora sentada , ora deitada , sem uma queixa, sem um desespero maior ! E eu sempre ao teu lado, minha avó ! Lembras-te quando sentada no chão em cima da alcatifa, à tua frente, tentava compreender a matéria para a frequência que se aproximava, e que não conseguia decifrar ! Tu avó, quando me vias vacilar, repetias em voz alta o que me tinhas acabado de ouvir. Avó, tu que nada sabias de Literatura, nem de correntes literárias. Mas sabias tanta coisa avó, tanta coisa...!
E quando morreste sózinha no Hospital dos Covões em Coimbra, após a hora da visita, sem teres tido a minha visita ... Oh avó , quanto me doeu quando naquela noite o pai foi junto de mim e dos meus amigos , levar-me a notícia. Deixei de ver a estrada por onde tinha de caminhar !
Lembro-me avó de te ter visto no caixão, muito quieta ... Lembro-me de te ter querido dizer coisas, coisas... tantas coisas... de como não te tinha sabido amar, de ... porque... mas... olha... ouve... escuta... tenta compreender... sabes... eu... olha... eu não sei... não sei mais nada...
Agora sei como foi bom teres existido na minha vida, daria a minha para te voltar a ver... nem que fosse só por um breve instante , para te abraçar ...
Mas olha, talvez um dia ainda nos possamos abraçar de novo.
Esta homenagem é pobre avó , para a avó que tu foste ! Estou feliz porque quando partiste já não eras católica, já não rezavas avé- marias e salvé - raínhas daquele modo contínuo e automático, sabes? Já só rezavas Pais- Nossos, como eu quando tinha doze anos, lembras-te ? Já não tinhas necessidade de te confessares a homens se calhar mais pecadores que tu, já só te confessavas a Deus, e as imagens de barro e de madeira já nada te diziam ! Estou feliz avó, porque quando morreste já tinhas a noção da importância de Deus, já lhe davas a Ele e só a Ele o lugar de destaque que Ele merece e os santos, toda aquela panóplia de santos , remeteste-os para o lugar que deviam ter , abaixo de Deus, muito abaixo para a terra , nunca acima !
Adeus , avó, digo-te de novo adeus, nunca te visitei no cemitério, sabes? Nunca...
Adeus... até sempre !
Helena Sousa
Contigo ao meu lado, o mundo teve mais cor, e adorava avó a tua bondade, a tua paciência infinita que aplicavas sábiamente em todas as situações, mas mesmo em todas ! Avó, sem seres rica, deste-me tanto ! Nunca te vou esquecer , impossível !
Lembras-te quando me levavas pela mão à igreja para eu me ir confessar, avó? Eu dizia-te com um olhar muito espantado que não, que não queria, porque é que havia de ir contar àquele padre sempre tão sério , sempre tão carrancudo, dos pecados que desconhecia ter cometido, eu com doze anos, tão tenra idade ! Idade pequena, para tanta coisa ... e no entanto, idade já do " adivinhar", do " ir descobrindo" , idade em que tudo nos marca ! Confessavas-te sempre avó, tu , de quem eu duvido que tivesses algum pecado . Depois, solenemente, comungavas sob o olhar atento da tua neta , que seguia todos os teus passos. Aliás , todos comungavam, à excepção de mim , que com os meus doze anos já achava tudo aquilo superlativo ! Tu avó, ralhavas-me brandamente, eu retorquia-te com vivacidade que já sabia qual iria ser a receita infalível para o perdão dos meus pecados ! Talvez meia - dúzia de avé- marias, com a salvé - raínha pelo meio, talvez algum Pai- Nosso, a única oração que eu já apreciava por inteiro!
Depois veio a trombose... eu estava perto de ti quando o 1º ataque te acometeu. Levavas na mão um alguidar com roupa que não achavas estar demasiado branca e por isso a ías pôr a " corar" ao sol, com um bocadinho de lexívia. Lembras-te avó? De repente , no corredor da nossa casa , vacilaste ao andar, começaste a coxear, e deixaste cair o alguidar no chão. Eu gritei.... minha avó ! Avózinha...! Minha avózinha...!
Nunca mais andaste pelo teu pé, nunca mais o braço esquerdo te obedeceu ! Ficaste presa a uma cama, ora sentada , ora deitada , sem uma queixa, sem um desespero maior ! E eu sempre ao teu lado, minha avó ! Lembras-te quando sentada no chão em cima da alcatifa, à tua frente, tentava compreender a matéria para a frequência que se aproximava, e que não conseguia decifrar ! Tu avó, quando me vias vacilar, repetias em voz alta o que me tinhas acabado de ouvir. Avó, tu que nada sabias de Literatura, nem de correntes literárias. Mas sabias tanta coisa avó, tanta coisa...!
E quando morreste sózinha no Hospital dos Covões em Coimbra, após a hora da visita, sem teres tido a minha visita ... Oh avó , quanto me doeu quando naquela noite o pai foi junto de mim e dos meus amigos , levar-me a notícia. Deixei de ver a estrada por onde tinha de caminhar !
Lembro-me avó de te ter visto no caixão, muito quieta ... Lembro-me de te ter querido dizer coisas, coisas... tantas coisas... de como não te tinha sabido amar, de ... porque... mas... olha... ouve... escuta... tenta compreender... sabes... eu... olha... eu não sei... não sei mais nada...
Agora sei como foi bom teres existido na minha vida, daria a minha para te voltar a ver... nem que fosse só por um breve instante , para te abraçar ...
Mas olha, talvez um dia ainda nos possamos abraçar de novo.
Esta homenagem é pobre avó , para a avó que tu foste ! Estou feliz porque quando partiste já não eras católica, já não rezavas avé- marias e salvé - raínhas daquele modo contínuo e automático, sabes? Já só rezavas Pais- Nossos, como eu quando tinha doze anos, lembras-te ? Já não tinhas necessidade de te confessares a homens se calhar mais pecadores que tu, já só te confessavas a Deus, e as imagens de barro e de madeira já nada te diziam ! Estou feliz avó, porque quando morreste já tinhas a noção da importância de Deus, já lhe davas a Ele e só a Ele o lugar de destaque que Ele merece e os santos, toda aquela panóplia de santos , remeteste-os para o lugar que deviam ter , abaixo de Deus, muito abaixo para a terra , nunca acima !
Adeus , avó, digo-te de novo adeus, nunca te visitei no cemitério, sabes? Nunca...
Adeus... até sempre !
Helena Sousa
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