terça-feira, 31 de julho de 2012

Heróis da II Guerra Mundial - " Primo Levi "






Primo Levi, 1919-1987, judeu italiano foi um dos poucos sobreviventes de Auschwitz, o campo de concentração onde milhões de prisioneiros, judeus como ele, foram assassinados pelos nazis. Sobreviveu para regressar a Turim, sua cidade-natal, e escrever um dos mais extraordinários e comoventes testemunhos dos campos de extermínio nazi.
Dedicou o resto da sua vida à procura incessante da resposta para a pergunta essencial de Auschwitz: “O que é um homem?”Químico por formação, mas escritor por força do destino, Levi escreveu dezenas de títulos, entre memórias, ensaios, ficção e poesia. Sua obra é frequentemente vista como uma ponte entre dois mundos: o antes e o após Auschwitz. Primo Levi é, às vezes, lembrado por ter dito que quem passou por campos de concentração nazis se divide em duas categorias “os que calam e os que falam”. Foi justamente a necessidade de falar, de curar as suas feridas espirituais, que levou Primo Levi a construir uma das obras fundamentais sobre os horrores criados pelo regime nazi. A sua obra é uma penosa interrogação sobre a natureza humana. Um testemunho sobre o “mal absoluto” e de como seres humanos conseguiram preservar a sua humanidade intacta em face deste mal.

Sua obra, um testemunho

Primo Levi é a testemunha que precisa e quer narrar a sua experiência – sabendo não ser esta somente sua, mas de todo o povo judeu – com a máxima transparência e precisão possíveis. A precisão que lhe advém de sua formação de químico, com que ele dosea de forma adequada as suas palavras, que são pesadas e repesadas, repensadas e lapidadas. A linguagem é breve para tornar claro e visual tudo o que acontecia em Auschwitz para um judeu que como Levi fora selecionado para viver “por mais algum tempo”.
Levi é a testemunha que precisa fazer justiça às vítimas, contando o processo de desumanização e de degradação que sofreram e todas as aberrações cometidas pela espécie humana nos campos de aniquilamento nazis. Em seu primeiro e mais impressionante livro, “Se questo è un uomo” (Se isto é um homem), escrito em 1947, Levi relata o ano que passou em Auschwitz. Os capítulos não obedecem a uma sucessão lógica, mas são escritos segundo a ordem de urgência que o autor sente em narrar o que vivera.
O livro inicia-se (assim como os seus outros livros) com uma poesia, com versos duros e amargos. O poema escrito por Levi em janeiro de 1946, que leva o título “Shemá”, quando é publicado separadamente do livro , faz eco à oração primordial do judaísmo o “Shemá Israel”, oração que Levi aprendeu com 12 anos por ocasião dos seus estudos e  do seu bar-mitzvá. A poesia é um alerta endereçado a todos os que vivem em segurança para que meditem sobre os sofrimentos do nosso povo, gravando-os em pedra no coração e  contando- os  a seus filhos para que nunca sejam esquecidos.
Mas, nos anos após a Segunda Guerra Mundial, poucos no mundo queriam saber a verdade sobre a Shoá e os campos de morte nazis e o livro é recusado por vários editores que o consideraram muito triste. Quando é, finalmente, publicado, apesar de ser bem recebido pelos críticos, vende muito pouco. Reeditado em 1958, ‘Se isto é um homem’ torna- se  um sucesso  público.
Em 1963, Primo Levi publica o seu segundo livro ‘A Trégua’, em que narra os últimos dias em Auschwitz, após os nazis terem abandonado o campo, e a sua viagem de volta para casa, na Itália. O livro é muito bem acolhido pela crítica e pelo público. Levi passa a ser reconhecido como um grande escritor.
Recordar, contar, refletir e testemunhar continuarão a ser o tema de todos os seus livros. Em 1963, logo depois de publicar ‘A Trégua’, Levi declara que considerava encerrado o seu trabalho testemunhal. Mas nunca lhe foi possível manter esse propósito. Já que ele afirmava... “Com o passar dos anos, essas recordações não empalidecem nem se dissipam, pelo contrário,  enriquecem-se com detalhes que eu acreditava esquecidos e que, às vezes, adquirem sentido à luz das recordações de outras pessoas, de cartas que recebo ou de livros que leio”.
O seu último livro, ‘Os afogados e os sobreviventes’ é publicado em 1986. No ano seguinte é indicado para o Prêmio Nobel.
Em abril de 1987, aos 68 anos, Primo Levi é encontrado morto no poço da escadaria do apartamento no qual vivera toda a vida. Na época, a sua morte foi atribuída a suicídio. Acreditou-se que o grande escritor  tinha posto fim à vida, pois que esta, se  tornara pesada demais. Mas, nos últimos anos, três importantes biografias (Duas na Inglaterra e uma na França) colocam em dúvida esse suposto suicídio , afirmando que provavelmente, foi um acidente provocado pelos remédios que Primo Levi tomava na época.
Uma das mais completas biografias é a da escritora e pesquisadora Myriam Anissimov, publicada em França em 1996.   Por que é que um homem assim escolheria o suicídio, pergunta Myriam Anissimov no seu livro. E se ele realmente queria acabar com sua vida, por que não usou uma forma menos traumática? Por que não deixou algo escrito, uma última mensagem? Acreditar que um homem assim se suicidou é difícil, porém a verdade sobre os últimos instantes do grande escritor nunca será descoberta. Talvez, no fim, Auschwitz tenha atingido o seu objetivo, cobrando-lhe a vida tantos anos depois. Mas não resta dúvida que a vida de Primo Levi pode ser dividida em dois períodos distintos: o antes e o depois de Auschwitz.
Primo Levi nasceu em Turim, no dia 31 de julho de 1919, no seio de uma família judaica burguesa de origem sefaradita. A família Levi, apesar de manter a maior parte das tradições e festas judaicas, assim como grande parte dos judeus italianos era muito bem integrada na tolerante sociedade da Itália pré-fascista. Mesmo após a subida de Mussolini ao poder havia na Itália um clima de relativa tolerância em relação aos judeus. Seu próprio pai tornou-se a contra-gosto, assim como outros judeus, membro do partido fascista.  Em 1938, Mussolini anuncia as leis raciais italianas inspiradas nas Leis de Nuremberga. Um regime de segregação é instituído contra os judeus; muitos são afastados de seus cargos públicos ou demitidos de escolas e faculdades. Bens e moradias são desapropriados. Mas Primo Levi estava convencido de que a “razão iria triunfar”, de que “a ciência com o seu discurso objetivo” acabaria por colocar em dúvida as idéias fascistas, derrotando-as.
Em 1941, um ano depois de a Itália ter entrado na guerra ao lado de Hitler, Levi recebe o seu doutoramento em Química pela Universidade de Turim. Apesar de excluírem os judeus das universidades, havia na área das ciências exatas muitos professores antifascistas e um deles, Nicola Dallaporta, aceitou Levi como aluno no curso de pós-graduação.
Dois anos mais tarde, após o colapso do regime de Mussolini, em 1943, Primo Levi toma a decisão de  com alguns amigos , formar um grupo de “partigiani” para lutar contra os fascistas. Inexperiente, acaba sendo preso num esconderijo nos Alpes, a 13 de dezembro de 1943, por milícias fascistas. Interrogado, declara-se “cidadão italiano de raça judaica” e como judeu é enviado para um campo de concentração fascista perto de Modena. No mesmo campo, encontra centenas de outros judeus italianos, famílias inteiras. Quando em fevereiro, dois meses após a sua prisão, as tropas das SS chegam ao campo com a ordem de deportar imediatamente todos os judeus, o medo alastra - se entre eles. Já era o final de 1943. As notícias vindas da Alemanha, da Polônia e da Rússia sobre o terrível destino que esperava qualquer judeu que caía nas mãos dos nazis já circulavam entre os judeus. A maioria sabia que a deportação era uma condenação à morte.
No fatídico 22 de fevereiro, 650 judeus foram postos dentro de 12 vagões chumbados, num “dos famosos comboios alemães, desses que não retornam, dos quais com um calafrio e com uma pontinha de dúvida tantas vezes tinham ouvido falar”, relata Levi. A viagem durou cinco dias. O destino era um lugar de que nunca antes ninguém ouvira falar: Auschwitz. Do total dos 650 judeus italianos deportados naquele comboio, 29 sobreviveram. Os restantes morreram em Auschwitz . 
Primo Levi conta que antes de Auschwitz, para ele, “ser judeu” era algo vago. Tinha plena consciência da história do seu povo e uma espécie de incredulidade face à religião. Porém, não se sentia diferente dos seus amigos cristãos em cuja companhia se sentia à vontade. A sua paixão era o mundo das idéias abstratas, da cultura humanista italiana, das ciências, dos livros.
Primo Levi escreve: “ Tornei - me  judeu em Auschwitz. A plena consciência da minha diferença  foi- me  imposta. Alguém, sem nenhuma razão, decidiu que sou diferente e inferior. Por uma reação normal, senti - me diferente e superior.
Neste sentido, Auschwitz deu - me  algo que ficou . " Recuperei o meu património cultural e a minha identidade como judeu”.


Helena Sousa







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