quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Heróis da II Guerra Mundial - "Aristides Sousa Mendes "




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Diz o Talmud: "Quem salva uma vida é como se salvasse o mundo inteiro". O que dizer, então, de quem salva mais de 30 mil pessoas da morte certa, à custa da segurança de sua família e da sua própria?
Foi o que fez Aristides de Sousa Mendes, cônsul de Portugal em Bordeaux, no sul da França.
Contrariando as ordens do ditador português, Antonio Salazar, de não emitir vistos portugueses de trânsito para os considerados "indesejáveis" e, principalmente, os judeus, o diplomata concedeu milhares de vistos a refugiados, na França , mais concretamente em Bordéus, já com os nazis às portas da cidade.
Chamado de volta a Portugal, o cônsul foi punido por Salazar por desobediência, tendo a aposentadoria da carreira diplomática antecipada, sem qualquer rendimento. Desprezado e condenado ao ostracismo, faleceu pobre e esquecido, em 1954, deixando sua esposa e filhos em situação de extrema penúria. Mas, até o final de seus dias, jamais se arrependeu de sua atitude, pois, como costumava afirmar: "Se tiver que desobedecer as ordens, prefiro estar com Deus e contra os homens, do que com os homens e contra Deus".
Em reconhecimento por sua coragem, Sousa Mendes foi homenageado, em 1966, pelo Yad Vashem - Autoridade Israelense para Recordação dos Mártires e Heróis do Holocausto, com o título de "Justo entre as Nações", a medalha com a citação do Talmud e o plantio de uma árvore em sua memória. Em Portugal, onde, durante décadas, o nome do ex-cônsul nem sequer era mencionado, a notícia do prémio foi censurada pelo governo de Salazar.
Aristides Sousa Mendes nasceu em 19 de julho de 1885, em Cabanas de Viriato, Portugal, filho de aristocrática família católica, conservadora e monárquica. Em 1908, já na carreira diplomática, casa-se com uma prima, de quem teve 14 filhos. Dois anos mais tarde, quando é nomeado cônsul em Demerara, na Guiana Francesa, acontece a Revolução de 5 de Outubro que instaura a República em Portugal.
Apesar de monárquico, Sousa Mendes é um profissional de confiança, por isso é mantido no Serviço diplomático. Nos anos seguintes, foi cônsul em Zanzibar, Curitiba, São Francisco ( EUA ) São Luís do Maranhão e  Porto Alegre. Voltou para  Lisboa em 1926 e, pouco depois, eclode a Revolução de 28 de Maio, instalando a ditadura militar em Portugal. Em 1927 é nomeado cônsul em Vigo, ( Espanha ) , e em 1929, cônsul-geral em Antuérpia (Bélgica), onde, em 1936, foi condecorado pelo rei Leopoldo III como Decano do Corpo Diplomático.
Em Portugal, Salazar, com poderes ilimitados, torna - se  ditador. Em 1938, dois anos antes da invasão da França pelos alemães,  nomeia Sousa Mendes cônsul geral de Portugal em Bordeaux, cargo que ainda ocupava quando eclode a 2a Guerra Mundial, em setembro de 1939.
No avanço rápido pela Europa, as tropas de Hitler espalhavam perseguições, violência, terror e morte. Os judeus e todos os considerados "inimigos do Reich" fugiam de cidade em cidade, de país em país, na tentativa desesperada de se salvar. O sul da França, geograficamente mais afastado da provável entrada nazi quando se iniciasse o inevitável ataque à nação francesa, era visto como refúgio temporário. Assim, Bordeaux passa a ser destino de milhares de refugiados, de todas as nacionalidades, que, em fuga dos nazis, queriam ir para Espanha, cruzando Portugal por terra, para de lá tentar escapar do continente europeu pelo Oceano Atlântico.
Ao ver crescer  o número de solicitações de vistos de trânsito, Lisboa baixa uma nova portaria , a Circular 14, de 11 de novembro de 1939, que trazia o nome do secretário geral do Ministério das Relações Exteriores (MRE), Teixeira de Sampaio, com a observação "pelo Ministro" ao lado da sua assinatura. "Ministro", entenda-se, era o próprio Salazar. As especificações da portaria acabavam com a esperança dos milhares de refugiados, pois, a partir daquela data, não seriam mais emitidos vistos para determinados grupos , sem autorização prévia do MRE. Entre os novos párias encontravam-se apátridas, portadores de passaportes Nansen fornecidos pela Liga das Nações; russos; judeus "expulsos de países cuja cidadania possuíam ou onde residiam"; ou qualquer pessoa sem condições de "retornar ao país de origem". As restrições tinham um alvo específico: os judeus e os antifascistas dos países ocupados pela Alemanha.
Sousa Mendes ficou estarrecido com a nova regulamentação em Portugal, conhecido pela hospitalidade para com os estrangeiros. O mais grave era a restrição clara e inequívoca em relação aos judeus. Advogado por formação e católico fervoroso, considerava a lei desumana, racista e, acima de tudo, anticonstitucional. Repugnava-o a simples idéia de perguntar a um requerente do visto se era judeu.
Como responsável pela missão portuguesa  numa cidade que estava a  ser literalmente invadida por refugiados em desespero, era difícil obedecer à determinação do governo e ficar indiferente aos incontáveis apelos. Portanto, apesar da nova portaria, procurava contornar as restrições. No período anterior à capitulação da França perante Hitler, os casos foram esporádicos, como o do rabino austríaco Arnold Wiznitzer. Ele sabia que não estava a salvo das garras nazis, pois, contra qualquer lógica, a França havia reagido ao alastramento da guerra com o internamento em campos especiais, dos fugitivos do nazismo refugiados no seu território. Temendo ser levado para esses campos, Wiznitzer vai ao cônsul Sousa Mendes, que lhe concede o visto sem solicitar a pré-autorização do Ministro, em novembro de 1939. Concede também outro visto,  ao Prof. Eduardo Neira Laporte, basco, comandante-médico do exército republicano espanhol.
Estas irregularidades cometidas pelo cônsul português , eram detectadas pela polícia política portuguesa assim que os refugiados chegavam a Portugal. Numa carta de 24 de abril de 1940, o Secretário Geral do Ministério, escrevendo em nome de Salazar, recorda a Sousa Mendes as sérias violações regulamentares que cometera, alertando-o de que "novas infrações seriam consideradas flagrante desobediência e resultariam em processo disciplinar".
A Europa sucumbia a Hitler. No início de maio de 1940, numa operação maciça e rápida, os exércitos alemães marcham contra a Holanda, Luxemburgo, Bélgica e, em seguida, França.
As primeiras levas de fugitivos dos países conquistados chegaram a Bordeaux em 15 de maio. O assédio ao Consulado de Portugal começara e, à medida que os alemães avançavam, crescia o número de refugiados na cidade. No dia 17, Salazar envia um telegrama proibindo terminantemente a emissão de vistos fora dos moldes da Circular 14. Naqueles dias chegam a Bordeaux, a filha e o genro de Sousa Mendes, Isabel e Jules d'Aout, atuante no serviço consular das Colônias Belgas. Os horrores que lhe relatam sobre o que acontecia na Bélgica e nas demais regiões por onde tinham passado , confirmam o que Sousa Mendes ouvira de tantos outros desesperados.
Assoberbado de pedidos de vistos, Mendes expediu um telegrama a Salazar, a 21 de maio. Relata as centenas de refugiados de todas as nacionalidades que pediam "insistentemente"  vistos, e implora ao ditador medidas urgentes. A resposta que recebe no dia seguinte é clara: seguir à risca as determinações da Circular 14 e priorizar as solicitações dos norte-americanos, desde que os documentos estivessem em ordem. Mais à frente, Salazar autoriza-o a emitir uns poucos vistos, com a condição de que a passagem de retorno fosse "garantida". Portugal não queria o encargo de acolher os refugiados.
Apesar da resposta de Salazar, Sousa Mendes decide ajudar, mesmo sem autorização superior. Do final de maio em diante, a violação das ordens torna-se regular, pois, com a rendição da Bélgica diante da Alemanha, no dia 28 daquele mês, o desespero de deixar a França toma conta dos refugiados. Em 9 de junho, após mais uma ofensiva alemã ,o governo francês deixa Paris e parte para Bordeaux, seguido pelos membros dos governos no exílio da Polônia, Bélgica e Luxemburgo, além de representantes diplomáticos de 60 países. Segundo estimativas, a população de Bordeaux passou de 300 mil pessoas, em 10 de maio, para 700 mil, no final do mês. Outras estatísticas falam até de três milhões. A vida na cidade vira um inferno.
As tropas nazis entram em Paris em 14 de junho, numa vitória extraordinária para Hitler; o imbatível exército francês estava de joelhos. Quatro dias depois, os capituladores e colaboracionistas, marechal Henri Pétain e Pierre Laval, pedem um armistício à Alemanha. Esta responde bombardeando Bordeaux. As bombas, a rendição iminente e a certeza de que o governo recém-formado por Pétain não hesitaria em entregar aos nazis os refugiados estrangeiros, principalmente os judeus, aumentam o desespero dos fugitivos.
Sousa Mendes via - se impossibilitado de atender a todos que lhe suplicavam pela vida. Os seus insistentes apelos junto ao próprio Salazar para facilitar a entrada dos refugiados em território português eram respondidos com firme negação, como acontecera quando solicitou permissão para emitir vistos para um grupo de 30 pessoas, entre as quais o rabino Chaim Kruger.
Sousa Mendes conhecera o rabino Kruger  numa de suas rondas noturnas, ocasião em que se inteirava da situação. Após parar o carro em frente à sinagoga, convidou-o juntamente com a esposa e os cinco filhos a esconderem-se no Consulado. Durante a conversa, Mendes revelou ao rabino ser descendente de cristãos novos, judeus forçados a converter-se ao cristianismo no século 15, e  Kruger contou - lhe sobre a sua fuga da Bélgica e a  chegada a Bordeaux, após a invasão alemã. Com ele, tinham vindo milhares de judeus.
O diplomata dispôs- se  a conseguir vistos para alguns casos, incluindo Kruger e a sua família, mas o rabino recusou , dizendo que não podia aceitar quando havia milhares de outros judeus na mesma situação. Em seu depoimento ao Yad Vashem, em 1967, o rabino contou: "Sousa Mendes chegou-nos a  oferecer hospedagem na sua residência, mas eu não podia ficar lá, sabendo que havia uma multidão desesperada do lado de fora. Voltei a procurá-lo e disse -lhe que havia apenas um caminho para nos resgatar - a concessão de vistos a todos nós".
Sousa Mendes viu-se diante de uma decisão à qual não poderia fugir. Já não se tratava de dezenas ou centenas de vistos, mas milhares... Tal violação jamais seria ignorada por Lisboa. Entendia perfeitamente que sua decisão selaria o destino de milhares de refugiados - ou o seu e de sua família . A esposa, sempre o ajudou com os refugiados.
Consumiu-se durante três dias, pensando no que faria. Segundo relatos de seus filhos, Sousa Mendes foi tomado por angústia e silêncio profundos. Na manhã de 16 de junho, dia fatídico em que a França reconhece a sua derrota e o marechal Pétain toma as rédeas do novo governo colaboracionista, Sousa Mendes quebra seu silêncio, anuncia:ndo: "A partir deste momento concederei vistos para todos os que o necessitarem. Não haverá mais diferenças de nacionalidade, raça ou religião". Com 55 anos e vários filhos, apesar de ter sérios problemas financeiros, o diplomata decidira seguir a sua consciência e enfrentar o temido ditador Salazar. Em vão seu secretário consular, José Seabra, tentou dissuadi-lo de dar um  passo tão perigoso.
Mendes explicou ao staff consular as razões da sua decisão: Eu não posso permitir que estas pessoas morram. Muitos são judeus e a nossa Constituição diz que a religião ou a ideologia política de um estrangeiro não devem ser usadas como justificação para lhes negar refúgio em Portugal. Decidi seguir este princípio. Concederei um visto para qualquer um que o solicite, independentemente de pagamento... ainda que isto me custe a demissão. Sou cristão e, como tal, não posso deixar estas pessoas morrerem. Boa parte deles são judeus, mas outros , são homens e mulheres que em função de sua ação como líderes, sentiram  o dever de se manifestar e de agir contra as forças da opressão.  Fizeram o que seu coração lhes dizia ser justo. Agora querem ir para onde lhes seja possível continuar a luta pelo que consideram certo. Sei que minha mulher concorda plenamente com meu ponto de vista e estou certo de que meus filhos o entenderão. Não se porão contra mim se eu for demitido por agir contra ordens que considero vis e injustas".
A notícia sobre a decisão de Mendes espalha-se rapidamente por toda Bordeaux. A área próxima ao Consulado de Portugal fica tomada por milhares de refugiados acampados nos jardins da missão diplomática e nas ruas vizinhas. Eram judeus, mas também cristãos, franceses, belgas, holandeses, checos, austríacos e até alemães.
Com os alemães cada vez mais perto de Bordeaux, Sousa Mendes atira-se de corpo e alma na árdua tarefa de emitir o maior número de vistos, o mais rapidamente possível. A operação de socorro tomou a forma de trabalho em cadeia. O filho de Mendes José, o genro Jules, o rabino Kruger e outros refugiados, além de dois colegas de Jules do Ministério das Colônias belgas, Van Acht e Vingerhoedt, preparavam os vistos com estampilhas. Mendes não tinha senão que assinar. O rabino Kruger contou que sentados, sem perder tempo com comida ou descanso,  carimbaram milhares de passaportes com vistos de trânsito portugueses. Numa corrida contra o tempo, tomado pelo cansaço, Sousa Mendes decidiu abreviar a sua assinatura nos vistos, passando a escrever apenas "Mendes". Seabra, o secretário, também desistira de anotar o nome de todos os que recebiam o visto e cobrar as taxas consulares.
Em quatro dias, estimam-se em 30 mil os vistos emitidos, a maioria para judeus. Para o historiador do Holocausto Yehuda Bauer, "a operação comandada por Sousa Mendes foi a maior realizada por um único homem para salvar os judeus durante o Shoá". Entre os milhares que receberam vistos havia  membros da família Rothschild, a Grã-Duquesa Carlota de Luxemburgo, a sua família e ministros de seu governo; o ministro das Colônias belgas, Albert de Vleeschauwer, o ex-primeiro ministro belga Paul vau Zeeland e o seu ministro da Saúde . Como cônsul-geral em Bordeaux, Aristides Sousa Mendes era também responsável pelo vice-consulado de Toulouse e de Bayonne. A situação dos refugiado repetia - se  nas duas cidades. Quando o vice-cônsul de Portugal em Toulouse, Émile Gissot, telefonou a Sousa Mendes, perguntando-lhe como lidar com a situação, ouviu a seguinte resposta: "Emita os vistos para os refugiados".
Em Bayonne, onde o chefe da missão era Faria Machado, o número de recém-chegados era enorme. Quando Sousa Mendes soube, que Faria Machado se recusava a emitir vistos sem autorização do Ministério das Relações Exteriores, ele próprio foi até Bayonne. Era o dia 18 de junho. Ao chegar, pergunta por que é que  o vice-cônsul não estava a ajudar os refugiados. "Gostarias de estar na mesma situação, junto com tua mulher e teus filhos? Afirmas seguir as ordens de teus superiores, pois eu sou teu superior e ordenei que emitisses tantos vistos quantos necessários". Sousa Mendes ficou três dias em Bayonne para assegurar que os vistos eram passados, e  ter a certeza de que as pessoas poderiam atravessar a Espanha antes da chegada dos alemães.
Mendes estava ainda em Bayonne quando Salazar decidiu tomar providências contra o diplomata. Despacha Armando Lopo Simeão à cidade para verificar o que estava a acontecer. Este confirmou que entre 18 e 19 de junho Sousa Mendes esteve em Bayonne, servindo-se da sua posição para dar vistos a quem os pedisse, sob a alegação de que aquelas pessoas precisavam ser salvas. Em conversa telefónica com  Salazar, Simeão relatou "que havia uma multidão nas ruas, em redor do Consulado e só era possível entrar no local com a ajuda da polícia".
Algumas vezes, além de emitir os vistos, Sousa Mendes chegou a ajudar grupos de refugiados a passar a fronteira entre França e Espanha. Temendo que a polícia das fronteiras espanhola, sob pressão de Portugal, se recusasse a considerar válidos os vistos, decidiu pessoalmente ajudar os refugiados. Ao chegar à fronteira, dizia aos policias: "Sou o cônsul português. Estas pessoas estão comigo. Todas possuem vistos regulares, portanto, sejam gentis e deixem-nas passar". O estratagema funcionou.
Sousa Mendes segue então para Hendaye, onde continuou a emitir vistos. Durante um encontro com Pedro Teotónio Pereira, embaixador de Portugal na Espanha, Lopo Simeão e Faria Machado fizeram- lhe  recordar que ordens eram para ser cumpridas, ao que ele respondeu: "Não, se tais ordens forem incompatíveis com qualquer sentimento humano". No dia 23 de junho, Salazar tomou a primeira medida punitiva contra o diplomata, retirando a sua autoridade para emitir vistos e ordenando o seu regresso imediato a Portugal. No dia 25 o embaixador Pereira informou que todos os vistos concedidos por Sousa Mendes eram inválidos. Salazar também enviou um telegrama ao Consulado de Bordeaux, ordenando que os regulamentos consulares fossem rigorosamente aplicados.
 Assim se fez, a partir daquele dia.
Aristides de Sousa Mendes chegou com a família a Portugal em 8 de julho de 1940, instalando-se na sua casa, em Cabanas de Viriato. A 2 de agosto, recebeu uma intimação comunicando-lhe que o governo de Salazar tinha aberto um inquérito disciplinar contra ele. As acusações incluíam o período anterior a 17 de junho de 1940, quando teria concedido vistos sem a prévia autorização do Ministério das Relações Exteriores, e também o período após essa data, quando emitira milhares de vistos para fugitivos judeus.  Havia ainda, a  acusação de criar "uma situação prejudicial para o  prestígio de Portugal perante as autoridades espanholas e alemãs de ocupação".
O diplomata apresentou uma defesa de 20 páginas justificando a sua conduta e frisando os riscos que corriam os refugiados, nomeadamente, o envio para campos de concentração. Mas o Conselho Disciplinar do Ministério das Relações Exteriores considerou Sousa Mendes culpado das acusações. Salazar não aceitou a sugestão do Conselho, de remeterem Sousa Mendes para o nível de Cônsul de Segunda Classe e, em 30 de outubro de 1940, determinou que Sousa Mendes fosse afastado do serviço por um ano, com a metade do salário. Posteriormente, forçou a sua aposentadoria, sem remuneração.
No ostracismo e sem rendimentos, Sousa Mendes viu os seus recursos consumidos rápidamente, o que o levou a vender os bens , para sustentar a numerosa família. Em pouco tempo, estava afundado em dívidas. A única ajuda que recebeu foi da comunidade judaica portuguesa, que lhe dava uma quantia mensal, e da organização judaica de ajuda aos refugiados, HIAS, que ajudou dois de seus filhos a estabelecerem-se nos Estados Unidos.
Desprezado pelo governo, Sousa Mendes faleceu em 1954, deixando a esposa e os filhos em situação de extrema penúria. Mas, apesar de todo sofrimento, até o final de seus dias repetiu, incansavelmente, que jamais se arrependera de sua atitude.
O processo da sua reabilitação, sómente se iniciaria anos após a derrubada da ditadura militar, em 25 de abril de 1974 . No entanto, a  sua história, só veio a público em Portugal em 1976, com a publicação de um artigo do jornalista Antonio Colaço, no Diário Popular. Em 1979, mais um texto, dessa vez do escritor Antonio Carvalho, é publicado no jornal A Capital.
Oito anos mais tarde, é dado o primeiro passo para a redenção de Sousa Mendes, na Embaixada de Portugal em Washington (EUA), e, em 24 maio de 1987, o presidente Mário Soares concede, postumamente, ao diplomata, a Ordem da Liberdade. Um ano depois, o Parlamento português reabilita -o oficialmente, por unanimidade e aclamação, e a sua família recebe uma indemenização por perdas e danos.
Atualmente, oito ruas e uma escola localizadas num subúrbio de Lisboa , têem o seu nome. Em maio de 2004, a cidade de Bordeaux também prestou homenagem ao ex-cônsul, com a inauguração de um busto na Esplanada Charles-de-Gaulle, e uma placa no hall da estação de trem Louis XVIII, onde se situava o Consulado de Portugal durante a 2ª Guerra Mundial. Em 1994, foi a vez da Igreja Católica, da qual era fervoroso seguidor, pedir perdão.
Em Cabanas de Viriato, cidade onde nascera,  numa cerimônia próxima do mausoléu onde ele foi enterrado, Dom Antonio Monteiro, bispo de Viseu, pediu perdão publicamente, em nome da Igreja, por não ter atendido os repetidos pedidos de socorro feitos por Sousa Mendes e a sua família.

Obras :
                                       
                                       
                                                                              


Helena Sousa


































terça-feira, 31 de julho de 2012

Heróis da II Guerra Mundial - " Primo Levi "






Primo Levi, 1919-1987, judeu italiano foi um dos poucos sobreviventes de Auschwitz, o campo de concentração onde milhões de prisioneiros, judeus como ele, foram assassinados pelos nazis. Sobreviveu para regressar a Turim, sua cidade-natal, e escrever um dos mais extraordinários e comoventes testemunhos dos campos de extermínio nazi.
Dedicou o resto da sua vida à procura incessante da resposta para a pergunta essencial de Auschwitz: “O que é um homem?”Químico por formação, mas escritor por força do destino, Levi escreveu dezenas de títulos, entre memórias, ensaios, ficção e poesia. Sua obra é frequentemente vista como uma ponte entre dois mundos: o antes e o após Auschwitz. Primo Levi é, às vezes, lembrado por ter dito que quem passou por campos de concentração nazis se divide em duas categorias “os que calam e os que falam”. Foi justamente a necessidade de falar, de curar as suas feridas espirituais, que levou Primo Levi a construir uma das obras fundamentais sobre os horrores criados pelo regime nazi. A sua obra é uma penosa interrogação sobre a natureza humana. Um testemunho sobre o “mal absoluto” e de como seres humanos conseguiram preservar a sua humanidade intacta em face deste mal.

Sua obra, um testemunho

Primo Levi é a testemunha que precisa e quer narrar a sua experiência – sabendo não ser esta somente sua, mas de todo o povo judeu – com a máxima transparência e precisão possíveis. A precisão que lhe advém de sua formação de químico, com que ele dosea de forma adequada as suas palavras, que são pesadas e repesadas, repensadas e lapidadas. A linguagem é breve para tornar claro e visual tudo o que acontecia em Auschwitz para um judeu que como Levi fora selecionado para viver “por mais algum tempo”.
Levi é a testemunha que precisa fazer justiça às vítimas, contando o processo de desumanização e de degradação que sofreram e todas as aberrações cometidas pela espécie humana nos campos de aniquilamento nazis. Em seu primeiro e mais impressionante livro, “Se questo è un uomo” (Se isto é um homem), escrito em 1947, Levi relata o ano que passou em Auschwitz. Os capítulos não obedecem a uma sucessão lógica, mas são escritos segundo a ordem de urgência que o autor sente em narrar o que vivera.
O livro inicia-se (assim como os seus outros livros) com uma poesia, com versos duros e amargos. O poema escrito por Levi em janeiro de 1946, que leva o título “Shemá”, quando é publicado separadamente do livro , faz eco à oração primordial do judaísmo o “Shemá Israel”, oração que Levi aprendeu com 12 anos por ocasião dos seus estudos e  do seu bar-mitzvá. A poesia é um alerta endereçado a todos os que vivem em segurança para que meditem sobre os sofrimentos do nosso povo, gravando-os em pedra no coração e  contando- os  a seus filhos para que nunca sejam esquecidos.
Mas, nos anos após a Segunda Guerra Mundial, poucos no mundo queriam saber a verdade sobre a Shoá e os campos de morte nazis e o livro é recusado por vários editores que o consideraram muito triste. Quando é, finalmente, publicado, apesar de ser bem recebido pelos críticos, vende muito pouco. Reeditado em 1958, ‘Se isto é um homem’ torna- se  um sucesso  público.
Em 1963, Primo Levi publica o seu segundo livro ‘A Trégua’, em que narra os últimos dias em Auschwitz, após os nazis terem abandonado o campo, e a sua viagem de volta para casa, na Itália. O livro é muito bem acolhido pela crítica e pelo público. Levi passa a ser reconhecido como um grande escritor.
Recordar, contar, refletir e testemunhar continuarão a ser o tema de todos os seus livros. Em 1963, logo depois de publicar ‘A Trégua’, Levi declara que considerava encerrado o seu trabalho testemunhal. Mas nunca lhe foi possível manter esse propósito. Já que ele afirmava... “Com o passar dos anos, essas recordações não empalidecem nem se dissipam, pelo contrário,  enriquecem-se com detalhes que eu acreditava esquecidos e que, às vezes, adquirem sentido à luz das recordações de outras pessoas, de cartas que recebo ou de livros que leio”.
O seu último livro, ‘Os afogados e os sobreviventes’ é publicado em 1986. No ano seguinte é indicado para o Prêmio Nobel.
Em abril de 1987, aos 68 anos, Primo Levi é encontrado morto no poço da escadaria do apartamento no qual vivera toda a vida. Na época, a sua morte foi atribuída a suicídio. Acreditou-se que o grande escritor  tinha posto fim à vida, pois que esta, se  tornara pesada demais. Mas, nos últimos anos, três importantes biografias (Duas na Inglaterra e uma na França) colocam em dúvida esse suposto suicídio , afirmando que provavelmente, foi um acidente provocado pelos remédios que Primo Levi tomava na época.
Uma das mais completas biografias é a da escritora e pesquisadora Myriam Anissimov, publicada em França em 1996.   Por que é que um homem assim escolheria o suicídio, pergunta Myriam Anissimov no seu livro. E se ele realmente queria acabar com sua vida, por que não usou uma forma menos traumática? Por que não deixou algo escrito, uma última mensagem? Acreditar que um homem assim se suicidou é difícil, porém a verdade sobre os últimos instantes do grande escritor nunca será descoberta. Talvez, no fim, Auschwitz tenha atingido o seu objetivo, cobrando-lhe a vida tantos anos depois. Mas não resta dúvida que a vida de Primo Levi pode ser dividida em dois períodos distintos: o antes e o depois de Auschwitz.
Primo Levi nasceu em Turim, no dia 31 de julho de 1919, no seio de uma família judaica burguesa de origem sefaradita. A família Levi, apesar de manter a maior parte das tradições e festas judaicas, assim como grande parte dos judeus italianos era muito bem integrada na tolerante sociedade da Itália pré-fascista. Mesmo após a subida de Mussolini ao poder havia na Itália um clima de relativa tolerância em relação aos judeus. Seu próprio pai tornou-se a contra-gosto, assim como outros judeus, membro do partido fascista.  Em 1938, Mussolini anuncia as leis raciais italianas inspiradas nas Leis de Nuremberga. Um regime de segregação é instituído contra os judeus; muitos são afastados de seus cargos públicos ou demitidos de escolas e faculdades. Bens e moradias são desapropriados. Mas Primo Levi estava convencido de que a “razão iria triunfar”, de que “a ciência com o seu discurso objetivo” acabaria por colocar em dúvida as idéias fascistas, derrotando-as.
Em 1941, um ano depois de a Itália ter entrado na guerra ao lado de Hitler, Levi recebe o seu doutoramento em Química pela Universidade de Turim. Apesar de excluírem os judeus das universidades, havia na área das ciências exatas muitos professores antifascistas e um deles, Nicola Dallaporta, aceitou Levi como aluno no curso de pós-graduação.
Dois anos mais tarde, após o colapso do regime de Mussolini, em 1943, Primo Levi toma a decisão de  com alguns amigos , formar um grupo de “partigiani” para lutar contra os fascistas. Inexperiente, acaba sendo preso num esconderijo nos Alpes, a 13 de dezembro de 1943, por milícias fascistas. Interrogado, declara-se “cidadão italiano de raça judaica” e como judeu é enviado para um campo de concentração fascista perto de Modena. No mesmo campo, encontra centenas de outros judeus italianos, famílias inteiras. Quando em fevereiro, dois meses após a sua prisão, as tropas das SS chegam ao campo com a ordem de deportar imediatamente todos os judeus, o medo alastra - se entre eles. Já era o final de 1943. As notícias vindas da Alemanha, da Polônia e da Rússia sobre o terrível destino que esperava qualquer judeu que caía nas mãos dos nazis já circulavam entre os judeus. A maioria sabia que a deportação era uma condenação à morte.
No fatídico 22 de fevereiro, 650 judeus foram postos dentro de 12 vagões chumbados, num “dos famosos comboios alemães, desses que não retornam, dos quais com um calafrio e com uma pontinha de dúvida tantas vezes tinham ouvido falar”, relata Levi. A viagem durou cinco dias. O destino era um lugar de que nunca antes ninguém ouvira falar: Auschwitz. Do total dos 650 judeus italianos deportados naquele comboio, 29 sobreviveram. Os restantes morreram em Auschwitz . 
Primo Levi conta que antes de Auschwitz, para ele, “ser judeu” era algo vago. Tinha plena consciência da história do seu povo e uma espécie de incredulidade face à religião. Porém, não se sentia diferente dos seus amigos cristãos em cuja companhia se sentia à vontade. A sua paixão era o mundo das idéias abstratas, da cultura humanista italiana, das ciências, dos livros.
Primo Levi escreve: “ Tornei - me  judeu em Auschwitz. A plena consciência da minha diferença  foi- me  imposta. Alguém, sem nenhuma razão, decidiu que sou diferente e inferior. Por uma reação normal, senti - me diferente e superior.
Neste sentido, Auschwitz deu - me  algo que ficou . " Recuperei o meu património cultural e a minha identidade como judeu”.


Helena Sousa







segunda-feira, 30 de julho de 2012

SÚPLICA



Tudo quanto peço a Deus, com devoção
Rezando com fervor, no dia a dia
É que em mim germine sempre a alegria
E tenha paz de espírito no coração.

Que em mim nunca haja ambições
De coisas fúteis, supérfluas, fantasias
Que saiba cultivar as cortesias
E praticar sómente boas acções.

Que o sol seja p´ra mim, doce lareira
E o possa gozar numa cadeira
Descansado, a repousar horas sem fim...

Que saiba vencer o mal e perdoar
A todos quantos me tentem magoar
E que Deus aceite o que de bom 
Houver em mim.


Fabião Baptista